sábado, 31 de outubro de 2009

"OU ENTRA EM TRATAMENTO OU TERMINO O NAMORO"

"A infidelidade já não é um problema, e esse é um problema. Tudo é normal, ou nos normalizamos rapidamente com qualquer coisa, a tal ponto que não existe anormalidade.

Ter uma iniciação sexual com cabra, participar de swing comunitário, revelar seus desejos por uma cicatriz na perna; nada mais assusta. Nada mais é motivo de pânico e debate para fechar um bar. O cineasta Walther Hugo Khouri não acharia mais nenhum tema para polemizar. Morreu antes dos tabus entrarem em crise criativa.

Depois do sexo livre, da amizade colorida e do mergulho na lama, a monogamia virou um preconceito.

Os terapeutas, psicólogos e psiquiatras ajudaram a tornar o dia-a-dia viável. Em contrapartida, as próprias traições. Óbvio que eles não têm culpa disso. Ninguém deve guardar culpa de nada.

A moral agora é não sofrer com a moral, o que parece um paradoxo. Temos que nos aceitar como não somos.

Você trai, logo confessa para o terapeuta e se acostuma com a idéia. Busca capturar o motivo de pular a cerca – aprende que não importa o resultado, o propósito é descobrir a origem da compulsão. E pula a fazenda inteira para respeitar a naturalidade das suas atitudes. Mergulha numa nova fase: a palavra alivia o silêncio; lavou na palavra, está novo.

Antes os casais se traíam para procurar uma satisfação que não encontravam no casamento. Hoje você pode estar satisfeito no casamento e ainda trair. O prazer em dia não é o bastante para segurar o amor. Os pares querem fantasias. Há uma obrigação pelas fantasias. Quem não tem uma fantasia exótica fora de casa não é moderno. Quem não tem uma fantasia extravagante fora do corpo não é pós-moderno.

E fantasia não é planejada. É na hora, do jeito que vier, pelo desafio, no calor da casualidade. Quanto maior a surpresa, maior o arrebatamento. A fantasia é incontrolável, contrariando em cheio o voto e o esforço de um casamento. Fácil de ser justificada; basta alegar que foi um disparate, uma atitude impensada. Não tem que prestar contas e cuidar do reencontro. Essencialmente provisória. Como uma bebedeira.

Um amigo, por exemplo, acabou pressionado pela namorada a resolver sua obcecada canalhice. Não admitia a fragilidade dele nas noitadas, os olhares lânguidos por baixo dos panos e das pálpebras, os esbarrões involuntários e o papo fiado com a mulherada nos corredores. Levantou a bandeira: ou entrava em tratamento ou ela terminava o namoro. Apaixonado, ele desistiu de sua desconfiança com o consultório, que julgava perda de tempo, e assumiu o vício.

Ao invés de trair menos, passou a trair mais para arrumar assunto com o terapeuta. Está com analista até hoje – a única relação que perdurou em sua vida."


Fabricio Carpinejar

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